segunda-feira, 1 de julho de 2019

Nietzsche e Deus



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Amauri Nolasco Sanches Junior



Há uma passagem do livro A Gaia Ciência de Nietzsche, que, claro, foi muito distorcido por razões óbvias. Mas, como não temos uma educação histórica e nem uma educação filosófica – porque nossa cultura ainda acha que filósofo só idealiza – ainda vimos muitas aberrações. Vou até além, existem tantos professores de filosofia como estudantes de filosofia, que não sabem nem mesmo, formular uma pergunta. Ora, Nietzsche começa assim o aforismo §125 chamado O Homem Louco: 

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<<Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu uma lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: 'Procuro Deus! Procuro Deus!'?>>


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Quem é esse homem louco? Será que é aquele que precisa de um apoio metafisico para dar sentido a sua vida ou são seres humanos presos em conceitos? Sempre bom lembrar, que o livro A Gaia Ciência é uma crítica a ciência no mesmo molde do que a religião, ou seja, para Nietzsche o ser humano tirou o “deus” metafisico para divinizar a “deusa” ciência. Como se todos os males pudessem ser resolvidos. Mas, tem um outro lado nessa história toda, Nietzsche dizia que o ocidente tinha matado os verdadeiros valores, os valores nobres dos fortes, para serem submissos pelos valores dos fracos, aqueles que não conseguem vencer, aqueles que não sabem chegar lá. Então, o filósofo alemão, inúmera todas as coisas que acabarem com esses valores e todas as suas previsões culminaram nos genocídios do século vinte. Para ele o homem não é só racional, existem os sentimentos. A racionalidade e a lógica se dominassem, como dominou, teria uma grande parcele de culpa das maiores barbaridades humanas. Cada um é o que é. Mas, o homem louco é aquele que procura uma razão, um sentimento de poder viver nesse mundo, mas, ele procura e não acha. Deus é o motivo da vida e os reis valores. 

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<<<O homem louco se lançou para o meio deles e trespassou-os com seu olhar. ‘Para onde foi Deus’, gritou ele, ‘já lhes direi! Nós o matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte? Que fizemos nós, ao desatar a terra do seu sol? Para onde se move agora? Para onde nos movemos nós? Para longe de todos os sóis? Não caímos continuamente? Para trás, para os lados, para a frente, em todas as direções? Existem ainda ‘em cima’ e ‘embaixo’? Não vagamos como que através de um nada infinito? Não sentimos na pele o sopro do vácuo? Não se tornou ele mais frio? Não anoitece eternamente? Não temos que acender lanternas de manhã?>>>

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Os verdadeiros valores foram mortos e o homem louco – que poderia ser o filósofo – diz que mataram Deus, apagaram o horizonte e acabaram com o sol. O homem se esconde atrás do horizonte das aparências, onde a bondade é o mesmo de ser humilhado, achar que o justo é tolerar a igualdade. Os países socialistas mostraram que nem sempre o conceito de igualdade – nos moldes do cristianismo que não foi tão igualitário na idade media – se mostra eficaz, porque não é uma questão de educação e o problema foi o racionalismo. Porque no racionalismo se forjou o materialismo histórico e forjou o positivismo comteriano, onde a ciência era a grande salvadora do mundo. 

Sem dúvida nenhuma que a ciência teve grande capacidade de dar ao ser humano uma vida-longa e com saúde, nós, pessoas com deficiência, temos melhores cadeiras de rodas, aparelhos e melhores tratamentos. Porém, a ciência automatizou as guerras e milhares de pessoas morreram com as bombas atômicas e morrem pessoas por causa dos testes nucleares, das usinas e por ai vai. A idealização da ciência fez o ser humano imaginar que liberando e ampliando a informação, haveria uma nova evolução e o ser humano seria melhor. A economia iria ter um novo caminho e as pessoas poderiam comprar e consumir tudo, mas, não disseram que sem a educação não adianta informação e nem tecnologia. Assim como, se não tem a consciência do preço justo e certo, as pessoas têm suas próprias personalidades. 

O ser humano moderno matou Deus, mas, não matou a divinização. Divinizamos jogadores de futebol. Divinizamos políticos. Divinizamos até mesmo as famílias que deveríamos amar como indivíduos autônomos. Porque idealizamos imagens de um mundo ideal e não um mundo que existe na realidade. Porque, na verdade, nem mesmo sabemos se isso aqui é real mesmo ou é uma ilusão. As verdades mudam e os fatos nunca são absolutos. Nunca se ama a sua essência e sim, o que idealiza. Isso cria uma negação da vida, porque temos que montar um personagem. Exato. Escondemos o que somos para sermos aquilo que é interessante ser. Não amamos as pessoas como elas são porque não amamos elas, amamos a nossa própria imagem. 

O poder sempre faz uma reprogramação quando aquilo não interessa mais e isso tem sido feito cada vez mais rápido, no mundo moderno. E a juventude não tem mais aquilo que se tinha, a aceitação da vida, a vida como ele deve ser e que o mundo não é como queremos. Na verdade, Nietzsche coloca toda a doutrina que ousa colocar o ser humano como igual, uma ideia do fraco – por isso mesmo, ele não pode ser chamado de nazista – porque são niilistas, ou seja, negam a vida. Todo mundo que nega o agora é um niilista, nega o hoje para reverenciar um amanhã que, talvez, nunca chegue. Por isso mesmo, herdando de Schopenhauer, Nietzsche elogia o budismo que só se importa com o agora. 

Claro, nem tudo podemos concordar do filósofo. Ele exaltar o mundo grego não faz sentido num modo realista, mas, no modo idealista como a parte heroica, o amor ao belo, entre outras coisas, fazem dele também um idealista. Os gregos antigos eram povos avançados em alguns sentidos, mas, em outros sentidos continuavam com os hábitos de escravidão, ainda condenavam pessoas por interesses (vide Sócrates), ainda se tinha toda uma cultura voltada a cada polis. Apesar que há uma certa discussão entre antropólogos – mostrado nas redes sociais – se o ser humano evoluiu o bastante para aguentar toda essa tecnologia. Muitos acham, que ainda somos aqueles caçadores e coletores. 

Uma outra coisa que não concordo com ele é associar Sócrates e Platão ao advento do cristianismo e vamos falar sério, o cristianismo não estava em alta no século dezenove. Além do mais, não foi só Platão que foi colocado como uma explicação teológica por Santo Agostinho, mas também, Aristóteles por Santo Tomás de Aquino. Nem sempre o racionalismo é ruim, pois ele vão te dar base de pensar ou não pensar o que você vai fazer e sem o racionalismo, o cristianismo iria ser muito pior do que foi. Por outro lado, do mesmo modo que Sócrates pregava que deveríamos conhecer a si mesmo, Nietzsche dizia para ser o que você é. Não é o mesmo?



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